quarta-feira, 22 de junho de 2016

Carlos Drummond de Andrade e as mães de anjos



Falar do poema "Memória"  de Carlos Drummond de Andrade  é  uma tarefa difícil, haja vista ser  ele um dos gênios da literatura brasileira. Entretanto,  para quem já passou por um aborto espontâneo fica fácil  entender estes versos, e, é nesta perspectiva que vamos compreender o que este poema tem a ver com as mães que perderam seus bebês. 

Memória

Amar o perdido
deixa confundido
este coração.

Nada pode o olvido
contra o sem sentido
apelo do Não.

As coisas tangíveis
tornam-se insensíveis
à palma da mão

Mas as coisas findas
muito mais que lindas,
essas ficarão
.
   
Carlos Drummond de Andrade

Resumidamente, as mulheres que são chamadas "mães de anjos"  sabem o que é esse amor que modifica a maneira de perceber e sentir as coisas que ama aquele bebê  que  foi perdido (1ª estrofe); e apesar disso, não pode jamais ser esquecido (2ª estrofe); ainda que não sinta o seu toque (3ª estrofe); aqueles poucos momentos vividos, mesmo depois de findos,  ficarão para sempre na memória dessas mães —,  porque foram lindos (4ª estrofe).
Não é lindo esse poema?

Elaine Rodrigues

Glossário: Olvido: esquecimento
 findas: que alcançou o fim.

quarta-feira, 15 de junho de 2016

O Deserto do Luto

Imagem: pixabay.com/pt/
Por mais que alguém fale sobre a perda gestacional (seja médico, enfermeiro, pesquisadores),  só compreende afundo esse assunto quem já viveu, dolorosamente.  É uma experiência inimaginável. 

Quem no auge da alegria diante da concepção de um bebê, poderia imaginar perdê-lo antes de nascer?  Ninguém.  Talvez, esta seja uma das razões que faz o aborto espontâneo ser tão incompreendido — muitos não imaginam que isso pode acontecer consigo, por isso, não sensibilizam-se diante da dor de quem vive a perda.  Essa incompreensão torna o luto ainda mais solitário, como um deserto


O Luto após a perda de um bebê que não chegou a nascer, é algo que a sociedade não aceita e não entende.  Se você já passou por isso sabe bem como é:  Assim como um lugar desértico é seco  e  carece de água, onde há o frio intenso durante a noite, ou o calor extremo durante o dia, um local isolado, dessa forma é o luto. Você tem sede de respostas, de compreensão; você sente o calor da revolta, da indignação de ter perdido seu bebê subitamente; a tristeza,  o vazio, os sonhos interrompidos esfriam e enfraquecem sua alma;  você se sente sozinho. Não é nada fácil. 


Há momentos que você pensa que não vai conseguir, as dores e os pensamentos  te sufocam,  mas você se levanta, reagi.  No outro  dia (ou no mesmo dia),  a luta continua, vêm as lembranças, a saudade, as lágrimas... Passam-se dias, semanas, meses e, às vezes, até anos nessa caminhada. E, é nesses momentos você se conhece mais — você percebe que é mais forte do que pensava. Aprende que não existem respostas para todas as perguntas, e mesmo assim, aprende a seguir em frente.  Aprende a acreditar e contar só consigo. Aprende a viver um dia de cada vez.
Oásis. Imagem: pixabay.com/pt/

Aprende também,  que apesar da aparente solidão,  há Alguém  te sustentando — Deus.  Ele é quem te mostra como superar esse deserto.  Então, você percebe que nos desertos da vida também têm oásis que mudam a paisagem, e,  em algum momento, você encontrará o seu.

Elaine Rodrigues